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Apanhadores de Sonhos 4/4

Escrito por Bruno Peres | Postado como | às 01:27

- O que você está fazendo? Não pode entrar na casa durante o dia, eles...
- Dá pra você ficar quieto e ficar de olho pra ver se alguém aparece? – Os dois jovens apoiavam-se na pedras que tampavam a pequena entrada que dava para a cozinha do velho casebre feito de madeira. Escondido sobre as árvores da floresta, seus 4 cômodos não ocupavam muito espaço e sinais de brigas marcavam algumas velhas paredes. – Eu vou entrar e você me espera aqui. - Ela para e olha nos olhos de Gabriel. – Tem que ser aqui, não volta até a caminhonete...
- Claro que vou te esperar aqui, porque eu iria até aquele carro? Você tá louca...
Clarissa passa pela pequena entrada em busca da portinhola que levava até a cozinha que ainda exalava algum cheiro de comida. A garota sabia que sua entrada estaria aberta e como em um filme, ela seguiu um roteiro exato até o quarto. Nem ao menos olhou para o homem que dormia no sofá da sala.
Ela pegou uma caneta no fundo da última gaveta da escrivaninha, tirou um pedaço de papel do pequeno bloco em seu bolso e começou a escrever...
* 
Gabriel estava inquieto, suas mãos tremiam e ele não conseguia se acalmar. Sentia sua vida mais confusa a cada minuto, sentia medo de continuar, sentia saudades e vontade de ser aquele garoto que nunca saía de casa e podia assitir seriados na TV. Ele queria voltar a ser criança e poder escolher tudo de novo, queria poder soltar um grito de desespero e correr até suas pernas não aguentarem mais.
Ele queria ajudar e resolveu dar a volta para ver se alguém se aproximava do velho casebre. Seus passos cautelosos acompanhavam sua postura curva esquivando-se das janelas, ele se virou de forma que pudesse ver melhor a entrada e tudo o que ali acontecesse, e lá estava a velha caminhonete...

*
Às vezes nem tudo sai como o esperado e a caneta não estava funcionando o suficiente para escrever tudo o que sua alma queria passar para a próxima pessoa que teria seu destino alterado. Clarissa sabia que nada naquele quarto poderia ajudá-la, sua única alternativa seria caminhar novamente rumo a cozinha, em busca de algo que pudesse resolver esse pequeno imprevisto...
*
Seus olhos estavam incomodados com o reflexo do sol matutino sobre a lataria do velho carro. Uma caminhonete vermelha, provavelmente da década de 80. Sua caroceria toda de madeira já envelhecida pelos traços do tempo faziam o jovem lembrar de sua curta infância no campo, quando seu pai voltava todas as tardes trazendo animais e sacos de batata e cebola sobre a traseira do velho carro da família. Seus pensamentos estavam longes e cada passo trazia em Gabriel a coragem para lutar por sua vida, lembrar de seu passado trazia a força esquecida e a vontade de entender seu presente.
Ele enconstou suas mãos sobre o vidro do motorista ainda recoberto pela seca poeira da estrada e o que viu dentro da cabine do carro fez seu coração palpitar como se estivesse diante de seus primeiro amor: uma pasta-arquivo com seu nome estampado.
Aquilo era demais para ele, abrir a porta do carro era o mínimo que ele devia fazer...
*
Ela ainda estava parada no batente da porta do quarto quando ouviu o barulho na caminhonete. O homem que dormia na sala levantou-se rapidamente e abriu a porta rumo ao veículo, era o que a garota precisava para pegar a única outra caneta da qual se lembrava.
*
Ao ver a porta do casebre se abrir seu único pensamento foi esconder-se dentro da caminhonete. Tentando encontrar o melhor esconderijo suas pernas esbarram por todos os lados e algo se revela frente a seus olhos: um velho revolver calibre 32. Uma arma de fogo, algo que pode lhe dar o poder da situação, um objeto capaz de levar sua consciência diretamente ao inferno, sem paradas ou perdões.

Seu carrasco se aproxima, Gabriel pode ouvir os passos sobre o cascalho de terra batida entre a porta e seu esconderijo. Sua adrenalina faz suas mãos suarem e o tremular de seus dedos pairam sobre o objeto sob o banco do passageiro.
A porta se abre!
Um homem de aproximadamente 45 anos, vestindo um velho hábito monástico sujo de terra e restos de comida. O jovem instintivamente aponta sua nova coragem sem medo de enfrentar seu destino, e o estranho homem recua ao avançar de seu oponente para fora do carro.
*
Seus dedos correm sobre as últimas linhas ao ponto que possa ver o que acontece do lado de fora do casebre. Sua decisão é certa e rápida: Clarissa corre para fora da casa, assim toda desajeitada, chutando cadeiras, latas e copos. O homem vira-se para o casebre e Gabriel aproveita-se da situação para correr rumo ao lado posto.
A menina ruma sentido floresta adentro, mas sabe que está sendo perseguida, sabe que deveria estar dormindo em uma cama confortável ou mesmo apenas estudando em sua universidade, mas ela estava ali, fugindo de seu destino.
Gabriel para.
Seus pensamentos o fazem lembrar Clarissa lhe dizendo para não ir até a velha caminhonete, a sucessão de fatos estragou todos os planos de salvar mais uma pessoa. Ele deixou de ir embora com os outros já salvos para ajudar uma garora que mal conhecia e agora ela corre perigo. Ele devia voltar e devia consertar tudo de uma vez!
Seus passos o levam até a velha arma ao chão e sua determinação até a floresta. O tempo não está correndo a seu favor, o suor em sua testa, em suas mãos, em sua alma...
- Gabriel! – A garota aparece atrás dele. – O que tá fazendo aqui?
- Clarissa, você está bem?
- Vamos embora, rápido...
Um barulho de árvores e galhos aproxima-se cada vez mais, folhas por todos os lados, a menina grita, seus nervos trepidam e ele atira! Atira rumo ao escuro sob as copas que os rodeiam. Um grito! O carrrasco de suas vidas tinha sido atingido.
Todos se entreolham... o jovem solta a arma... a menina pega sua mão e ambos correm de volta para a cabana...
- O que você fez Gabriel? Se ele morrer tudo muda...
- Ele ia te pegar Cla...
- Preciso deixar a o bilhete na caminhonete... – seu fôlego misturava-se a sua ansiedade.
- Porque? – ainda nervoso ele queria tentar entender algo.
- Por que eles não vão trazer ela para cá...

Clarissa coloca a carta na parte de traz da caminhonete, no exato lugar que somente alguns sonhos podem revelar...
*
“Há dias em que desistimos de acreditar em nossos sonhos, há dias em que não queremos mais levantar, não queremos rezar ou parar de chorar. Às vezes seus sonhos fazem você perder tudo o que tinha conquistado até então. Você é jogado contra o vento gélido da manhã sobre os ombros de um desconhecido que também perdeu tudo para te salvar do que poderia ser um pesadelo.
A mais longa das manhãs veio me mostrar que existem sonhos que nos levam para a realidade e que nunca perdemos o que não tínhamos, por isso acorde! Não se deixe levar pelos aconchegos e farturas, não se engane com falsas demostrações de amor... Venha para o mundo real, cruel, vibrante, emocionante e com cores inusitadas, venha sentir a chuva cair sobre seu rosto ainda de criança, venha ver o sol nascer e trazer o calor de todas as manhãs, venha encontrar sua saída e começar a amar todos os pequenos detalhes da vida.”
Ao som de: Evanescence - Call Me When You're Sober


A caminhonete ainda reluz sobre o sol da manhã e ela sobe sobre a carroceria para cumprir sua missão. Gabriel também quer decidir seu caminho e corre para pegar a pasta com seu nome.
– Se você pegar isso ele não vai voltar para buscar a criança...
- Mas eu preciso saber quem me colocou aqui...
- Se você fizer isso, a criança pode morrer...
- Você sabia de tudo o que ia acontecer aqui?- A voz do jovem se alterava - Por isso pediu para eu não vir ate a caminhete? Não queria que eu soubesse de meu passado?
- Eu não disse para você não vir... Disse para não voltar. Quando ele me perseguia você devia ter ido embora...
- Se voltei uma vez por você, antes mesmo de te conhecer porque não voltaria agora?
- Porque eu pedi!!! Vamos... ele está vindo...
- O que agente vai fazer agora? – Gabriel cada vez menos entendia seu presente, e cada vez menos via alguma luz sobre seu futuro.
- Encontrar a menina...
- Porque? Ela não vai ler a carta?
- Vai... mas ir até ela pode ser nossa saída de volta ao mundo real...


Sobre o Autor:
Bruno Peres Bruno Peres (brunoperes03@yahoo.com.br) Formação em Comunicação Digital com Especialização em Web Presence pela Universidade de Toronto é um RPGista por natureza e solteiro por incompetência, tenta ser escritor nas horas vagas e adora contar causos de sua vida entre amigos. É editor e escreve para o site da A4A e mantém o Twitter @bperes


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Comments (2)

Lindo o texto, parabens!

Me lembrou muito, mais muito mesmo um texto que fiz a 4 anos atras...

Momento nostalgico.


Grande abraço brother.

Ha quanto tempo nao entro no PdF, cara! Que bom que esta continuando o trampo ai do Canadá! =]


Abraco!

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